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    "As obras do Ifet de Gaspar estão atrasadas em mais de nove meses para que nele os jovens possam se qualificar e estudar em 2010"
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    Álvaro de Campos

    Poema em Linha Reta

    Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo. Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó principes, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

    *Álvaro Campos é um dos heterônimos de poeta e escritor português Fernando Pessoa.

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Belchior acordado

Charles Schmitz, líder comunitário, empresário do Belchior, diretor da Acig – Associação Empresarial de Gaspar – foi o melhor tom da audiência pública realizada na Câmara de Vereadores na semana passada para analisar o que está sendo feito por Gaspar para reconstruí-la naquilo que foi destruído com a catástrofe ambiental de Novembro. Desconfiado do blá, blá, blá, das fugas de responsabilidade, do palanque político, nada de concreto se decidindo, bem como da insistência de que o “dinheiro do governo Lula” está vindo e indo para lá e prá cá, ele tascou essa. “Esse dinheiro é nosso, é do nosso trabalho, é dos nossos impostos. Chega. Esse dinheiro não é do Lula”. Foi aplaudido. Os políticos presentes arregalaram os olhos.

E não era para menos. Por isso, entenda o desabafo do Charles. Como empresário moveleiro, foi afetado duplamente: a crise de crédito e mercado limitaram o seu negócio eprincipalmente as suas exportações; para complicar veio a catástrofe. Como morador e líder da região, viu a ela ser duramente castigada além de ser testemunha da pouca ou tardia ação do poder público para mitigar os estragos.

Charles, que já diminuiu muito o seu rítmo por conta de um grave estresse cardíaco não aguentou o ritmo da audiência. Como empresário, ele é acostumado a soluções e não as enrolações. Mais, Charles e o Belchior conhecem o poder da união da comunidade contra os políticos quando este tipo de situação se estabelece contra eles. Tanto que de vez em quando aparecem ideias de separação e até anexação. Estão obstinados a se tornarem um distrito, pelo menos e terem mais autonomia administrativa para solver os problemas locais. Acordem políticos. Lá tem (pelo menos tinha) o tal do “Belchior Unido”. E funcionava. Acorda Gaspar.

O Governo do Estado só me atrapalha

Este é o título de uma entrevista com Camilo da Silva Oliveira, diretor da melhor escola estadual de São Paulo, no Enem. Ele afirma que o colégio se destacou por méritos próprios. Ela foi publicada na segunda-feira, dia 4, na Folha de S.Paulo. Publico-a no meu blog para a reflexão da sociedade que permite, e principalmente dos governantes que fazem e insistem na política partidária para algo que lida com o nosso futuro e atinge inocentes: crianças e jovens estudantes.

Lá, o professor critica o governo estadual, de José Serra, PSDB e outros antecessores. Mas, aqui, nada é diferente. Nos municípios a cada troca de governo, cabos eleitorais, apaniguados, protegidos e os mamadores de sempre são “premiados” para dirigir escolas e promover o ensino, estejam ou não eles preparados para esta “liderança”. É o chamado aparelhamento, a ocupação partidária. Uma desgraça. É o aprendizado real vivenciado por crianças, jovens e comunidade do jeitinho que forma cidadãos e cidadãs tortos e políticos vesgos.

As indicações, escolhas e disputas do posto (ou cargo?) de direção das escolas públicas – mesmo nas que estão caindo aos pedaços sob todos os aspectos, inclusive os morais e técnicos – ou por eleições diretas com cunhos ideológicos ou pelo mecanismo de indicação partidária têm características de crime contra a humanidade, contra o Brasil na minha interpretação. Quem devia dirigir uma escola deveria ser o mais competente, o mais atualizado, o reconhecido líder que consegue fomentar interesse e inovação, aquele que conduz, fascina e induz crianças e jovens ao saber, orientado por princípios éticos e de cidadania, estimulando pares e subordinados para o mesmo objetivo.

Ah eu sei: é um sonho. E é exatamente por isso que ele deve ser um objetivo. Ou vamos construir e estabelecer pesadelos para as nossas vidas e a da juventude? Mas, vamos à entrevista do professor. Ela é muito mais interessante e reveladora do que as minhas observações. É de alguém que vive na carne o problema e não desistiu do sonho, um sonho que compartilha com crianças e jovens e que no fundo dá resultados diferenciados principalmente para essas crianças e jovens.

FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL

O DIRETOR DA MELHOR escola da rede estadual de São Paulo no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) afirma que seu colégio se destacou no sistema “apesar” dos governos. “O Estado só me atrapalha”, afirma Camilo da Silva Oliveira, 57, que dirige a escola Lúcia de Castro Bueno, em Taboão da Serra (Grande São Paulo).
Formado em história pela USP, Oliveira dirige a unidade há 22 anos. Ele conta que criou um currículo próprio, uma vez que a rede estadual não tinha algo semelhante, e não utiliza programas do governo como formação de professores, salas de informática ou atividades como feira de ciências.
Prestes a se aposentar, o diretor diz não ver “caminho” para a escola pública, que dependerá “de talentos isolados”.

Abaixo, a entrevista feita com Oliveira na última quinta-feira, em que ele abordou como funciona seu colégio, primeiro da rede estadual paulista, mas apenas o 2.596º melhor do país (média 58,5, em 100 pontos). A Secretaria da Educação do governo José Serra (PSDB) não quis comentar as críticas.

FOLHA – Por que a escola teve a melhor nota da rede no Enem?
CAMILO DA SILVA OLIVEIRA – É um trabalho de 22 anos, que resistiu a sucessivas trocas de governo e de secretários.

FOLHA – No dia-a-dia, o que a sua escola tem de diferente?
OLIVEIRA – Um eixo pedagógico, o rol de conteúdos [currículo], uma sequência de conteúdos. Fui pesquisar, porque o Estado não tinha subsídio para isso. Pesquisei escolas particulares e vestibulares de ponta. O Estado nem desconfiava desse rol. E hoje, 20 anos depois, ainda nem desconfia [o currículo começou a ser implementado na rede estadual em 2008]. Cada governo tem um modismo. Por exemplo, se fala em escola de tempo integral quando a escola não consegue funcionar quatro horas diárias [excesso de aulas vagas]. Tem também o projeto de informática, uma bobagem. Se tenho 17 máquinas e 40 alunos, o que os outros 23 ficarão fazendo? Posso bolar um esquema para fora do período, mas sem achar que irá melhorar a qualidade de ensino.

FOLHA – O sr. então tem uma escola que não segue a rede.
OLIVEIRA – Aqui é uma escola maldita, que vai contra os modismos de cada secretário. Depois da Rose Neubauer [gestão Mario Covas], em que as escolas perdiam aulas para treinamento de professores em horário de serviço, veio um que nem sabe o que é rol de conteúdos [Gabriel Chalita, gestão Geraldo Alckmin]. A escola, que já não funcionava, ficava uma semana em feira de ciências ou excursões para zoológico. Melhora o ensino? Vi que era fria e tirei a escola disso. No governo Serra, temos o terceiro secretário em dois anos e meio. Se o meu projeto dependesse do governo, estaria esfacelado. A menina do Mackenzie [Maria Lúcia Marcondes Carvalho Vasconcelos, primeira secretária da gestão José Serra] era bem intencionada, mas não conseguiu nada. A segunda [Maria Helena Guimarães de Castro] eu respeito porque sabe que escola é avaliação. E sabe que para avaliar precisa de um rol de conteúdos. Mas teve problemas de gestão. Por exemplo, a prova de temporários era uma boa ideia. Mas a implementação foi péssima, sem preparo jurídico, o que melou o sistema. Ou seja, o governo não tem a menor ideia do que fazer com as escolas. Deveríamos nos preocupar com o que realmente interessa, que é a aprendizagem dos alunos. Depois se acerta a burocracia. Hoje, os diretores ficam mais preocupados com as atinhas, e o aluno não tem aula. É uma inversão. É triste, porque se é esse caos em São Paulo, imagina nos outros Estados. Nem as universidades conhecem a rede. Ganhei da Escola de Aplicação da USP [que ficou em 3.293º lugar no ranking nacional], por exemplo. E a esquerda até hoje acha que a democracia é o principal debate para a escola. Você pega o PT, eles estão discutindo eleição para diretor de escola. Uma bobagem. Deveria pegar os melhores quadros para dirigir a escola. Isso aqui não é sindicato. Estou me aposentando e não vejo caminho. A escola pública vai continuar dependendo de talentos isolados. O Estado só atrapalha. Aquelas que seguiram a linha, se esfacelaram.

FOLHA – O sr. sofre retaliações?
OLIVEIRA – Nenhuma. Conheço o ofício. Os pais sabem que essa escola funciona, daí vem o apoio. No começo, senti pressão. O supervisor vinha e falava: “Como não vai mandar os professores para formação?”. Eu dizia: “Vou chamar a imprensa e explicar que os alunos vão ficar sem aulas.” Eles desistiam de me pressionar. Mas era um sobressalto constante.

FOLHA – Como o sr. avalia o corpo docente da sua escola e da rede?
OLIVEIRA – Aqui o pessoal é qualificado. Gente da USP, PUC, do Mackenzie. É uma nata que gostou do trabalho. Aqui se consegue dar aula, raridade na rede. Foi uma seleção natural ao longo dos anos.

FOLHA – Quanto ganham seus professores?
OLIVEIRA – Os mais novatos, com cinco anos de experiência, uns R$ 1.700, a média do Estado. Eu sou um diretor de 30 anos, que vai se aposentar na casa dos R$ 3.000.

FOLHA – Há pesquisas que mostram que o salário da rede estadual paulista não é ruim. O sr. concorda?
OLIVEIRA – Em cidades do interior, o salário de professor é o maior da cidade. Mas o Estado deve atrair melhores quadros. O salário não é compatível.

FOLHA – Como o sr. avalia a estrutura física da sua escola?
OLIVEIRA – Não consigo uma reforma porque não participo das reuniõezinhas, não vou lá ficar bajulando. Eu percorria gabinete de deputado para pedir reforma. Desisti. É indigno para um diretor.

FOLHA – Qual a principal ação para melhorar o ensino público?
OLIVEIRA – Gerência. Precisa ser técnica, trabalhar currículo, diagnóstico. Até trazer gente da iniciativa privada. Ou colocar os diretores das melhores escolas na gestão do sistema.

FOLHA – O que o sr. acha do novo secretário, Paulo Renato Souza?
OLIVEIRA – Tenho simpatia pela trajetória dele. Mas ele se tornou político. O problema é saber se o objetivo dele é eleger o Serra presidente ou melhorar o ensino. Se ele chegou apenas com visão política, as escolas vão seguir esfaceladas, sem conteúdos. Ele vai ser mais um.