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    "As obras do Ifet de Gaspar estão atrasadas em mais de nove meses para que nele os jovens possam se qualificar e estudar em 2010"
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    Álvaro de Campos

    Poema em Linha Reta

    Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo. Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó principes, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

    *Álvaro Campos é um dos heterônimos de poeta e escritor português Fernando Pessoa.

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Da censura ao obscurantismo

Este assunto deveria ganhar as manchetes na nossa Gaspar. Na minha coluna “Olhando a Maré” desta terça-feira, dia 19, faltou-me espaço para tal. Não aqui. Então vamos lá.

Um passou despercebido (quando não deveria). O outro chamou a atenção (pelo que não deveria). Os dois episódios que aconteceram nesta primeira quinzena do mês de Maio no coração do Centro de Gaspar, retratam bem a por vezes incoerente e como é desigual o tratamento da atual administração municipal nas prioridades que valorizem os nossos talentos e os valores da nossa comunidade. Cheira coisa da censura, do obscurantismo, da falta do bom senso ou do que fazer, mesmo. Perguntar não ofende: qual é mesmo o papel da secretaria que cuida da cultura no nosso município?

Estranha cidade. Ela, aos poucos, revela a mente de seus donos. Acorda Gaspar.

Dario Beduschi, o Dariozinho, ex-estudante de engenharia civil e de pedagogia (desistiu dos dois), ex-industrial, ex-comerciante, ex-político (foi candidato a prefeito com Ursinus Schmitz em 1982 pelo PMDB quando Tarcísio Deschamps e Luís Carlos Spenlger, PDS, o venceram), ex-mecenas do Clube Atlético Tupi (dos bons tempos do final da década de 1980), pai de Moema, ex-pescador no Mato Grosso (é isso mesmo) e agora, escritor. Ele é gasparense da gema. Gente boa, como todo o pescador e contador de estórias. As vezes, ingênuo. Sabe levar a vida como ninguém. E a registra. Eu o invejo.

Sonhador, sonhou levar o banquinho, a mesinha e alguns livros do romance que assina “RioTaquari, Amores, Amigos e Aventuras”, para se expô-los e vendê-los sobre a calçada, alí na esquina das ruas Vereador Augusto Beduschi e a Coronel Aristiliano Ramos. Não é que quase tudo foi parar no rio, o Rio Itajaí Açu de tanta dor e lágrimas do pobre homem? Nada de amores e amigos. Só desventuras. Uma descontrução.

É que ele, cidadão cioso dos seus deveres, resolveu formalizar a licença da venda dos seus livros, no sábado no dia 9 de Maio, véspera do Dia das Mães. Caixa, divulgação e relacionamento eram o ele que pretendia com o gesto. Tudo dentro da lei. Agiu na regra. Bateu na prefeitura. Orgulhoso, explicou o plano. E lá, não acreditou no que ouviu e lhe escreveram como sentença. Ali na calçada, não. Por que? Porque “não é permitido comercialização de produtos nas calçadas da rua, apenas caracterizado como comércio ambulante”. Nem mesmo ao ambulante da palavra, da amizade, das estórias, do livro. Ali, não. Definitivamente. Não! E lá se foi o nosso camelô dos seus romances inconformado a questionar como se fosse a última chance. É duro. Desistiu. Dobrou-se então ao burocrata como se um mendigo fosse.

Certo! Agora sabemos: como livro é cultura, a cultura não pode ser comercializada, difundida nas ruas de Gaspar. Ainda mais se ela for de gasparenses da gema. Quer prova da discriminação? Bujigangas, miçangas e mato seco de duvidosa procedência pode. Tanto que pode que na semana passada, índios do Mato Grosso do Sul instalaram a banca deles na rua Coronel Aristiliano Ramos, defronte a Praça Getúlio Vargas (leia-se prefeitura) no centro da cidade. A poucos metors da Rua Vereador Augusto Beduschi fizeram a festa. Curiosos e compradores não faltaram. E deu-se a vender “ervas” e charlatanismo disfarçados de cultura indígina. Gaspar ficou mais culta. E na falta de um hospital aberto, mais curada, mais protegida dos males das doenças e dos espíritos. Tudo sob a pajelança do paço.

Não condeno os índios, não. Eles estavam no papel e na sorte deles. Saliento as incoerências, a insensatez e à truculência decisória. E não me falem de minorias. Ou por acaso escritores que precisam de calçadas para vender seus próprios livros pertencem à alguma elite financeira, social, política ou dirigente deste país?

Dariozinho, por prevenção, achou por bem pedir desculpas publicamente pela idéia que teve: vender livros e escritos por ele, mas de forma legal. Arrependeu-se do questionamento da sentença que lhe deram. Na verdade, como pai desculpou-se com segundas intenções:proteger o cargo de Moema, uma concursada mas nomeada em cargo de confiança. Ela diz que é coordenadora das oficinas culturais. Elas existem? Para que? Ou escrever livros não é parte do saber, da cultura e das ditas oficinas…

E os índios? Ah, estes sim ficaram felizes e famosos. Ganharam retrato e registro no jornal, na rádio. Dariozinho? A humilhação. Só faltou confiscar o material e ordenar à queima, se ele insistisse naquela idéia boba, digamos assim, de vender sua arte nas nossas calçadas, as calçadas da Gaspar que ele se orgulha tanto.

Este é o retrato real, surreal: quanto mais ignorante, melhor. Livros? Para que livros? Acorda Gaspar.

Nesse negócio de livros e escritores malditos, Maio é um mês marcante para a censura e o obscurantismo da humanidade, entre tantos. No dia 10, “comemorou-se” os 76 anos da grande queima de livros que o demente e ditador Adolf Hitler ordenou na sua Alemanha e que durou até 21 de junho de 1933. Foram milhões em praça pública. Por que? Porque foram esses escritos julgados como tendo saber pernicioso (?) ou feitos por gente inconveniente ao nazismo. Ah, sim! Entendemos. E entre eles estavam por exemplo Thomas Mann, Bertold Brecht, Karl Max, Sigmund Freud, Albert Eistein… Você, uma pessoa sã, arriscaria queimá-los hoje? Eu, heim! Parece que nem todos conhecem as lições da humanidade. Acorda Gaspar.