Hoje é Domingo. Um dia de (re)leituras especiais. Não vou escrever sobre Gaspar e os gasparenses. Não vou cansá-los. Vou fazer colagens. Como um preguiçoso num dia de descanso, depois da caminhada matinal, vou usar as ideias, a intelectualidade e as opinões dos outros. Todavia, advirto-os: indiretamente, Gaspar, o PT daqui (e de outras paragens), suas personagens, bem como a inércia (e a propaganda enganosa) da sua administração municipal, estão presentes.
Vamos lá. Finalmente, ao findar o governo pragmático do Luiz Inácio Lula da Silva (que é capaz de aliança acordo até com Judas na comparação bíblica que fez), a esquerda do atraso se manifestou, sinalizou e se associou à companheira, nascida na guerrilha, oriunda no PDT e hoje estacionada no PT, Dilma Rousseff. A esquerda resolveu retirar o manto da dissimulação (ainda bem) que lhe cobria. A esquerda, retrógrada sob todos os aspectos, trabalha contra ela mesma e os planos de se perpetuar no poder. Ou vocês leitores e leitoras não acham que este III Programa Nacional dos Direitos Humanos (fruto da tal Comissão da Verdade) não é um tiro no próprio pé dessa gente? Ainda bem que a intenção dessa gente começa ganhar as ruas e as conciências das pessoas da direita à esquerda, e neste caso particular, socialmente comprometida com os avanços.
E tudo issopor que? Porque temos ainda a liberdade de expressão agora sob clara ameaça.
Os militares chiaram. Compreensível. É da corporação. Há interesses controversos. Tocava-se numa ferida que teima em não cicatrizar. Também é certo saber o que de fato aconteceu, mas dos dois lados para a isonomia. Repentinamente, uma valanche de dúvidas. E logo em época de plena férias, de recessos etc. O agronegócio, o ministro da agricultura, a igreja, a imprensa e… Os caras (de pau) montaram uma supra constituição e ao modo deles. Só eles têm o direito de pensar e serem livres de qualquer nódoa, como um dia já pregou o próprio PT. Uma vergonha.
É uma cartilha. É um libelo com cheiro stalinista, autoritário, censor e que despreza a democracia, a dialética, a liberdade e as instituições formais que a sustentam. Esta cartilha tem o viés da verdade (absoluta), do constragimento e do pensamento único dos que se instalam no poder e se negam ao avanço e à conciliação.
Ampliando. Primeiro, o PT (e a esquerda que gravita com ele no poder) se igualou aos outros partidos e práticas políticas deploráveis que jurou nunca praticá-las para o saneamento e a construção de uma “sociedade exemplar”. Agora, quer dar lições a todos nós, manietando pensamentos, pensadores e propagadores dessa pluralidade. Bem deixa para lá. Como disse no primeiro parágrafo, como um malandro (no ócio e não afeito as espertezas) vou usurpar opiniões e colá-las para a reflexão de todos vocês.
Começo com o povo (a favor ou contra esta tal Comissão da Verdade). Aquele que escreveu cartas aos jornais e eles as publicaram nestes dois dias.
1.
“Grande parte do Brasil parece ter especial aversão à verdade. São raríssimos os casos de políticos e de outras figuras públicas que, confrontados com malfeitos, admitem a verdade e pedem desculpas. A grande maioria nega, nega tudo.
Agora estão os militares -e, aparentemente, junto o ministro Jobim- à beira de um ataque de nervos porque não querem nem ouvir falar na verdade. O que eles temem?
Julgamentos, expurgos?
Anos atrás, uma sul-africana, mulher de um desaparecido durante o regime de apartheid, disse uma frase emblemática na época da criação da Comissão de Verdade e Reconciliação: “Eu perdoo (os responsáveis pelo desaparecimento do marido). Não tenho problemas em perdoar. Mas a quem, e por quê?”. Será tão difícil levantar informações sobre o passado e distribuir pedidos de desculpas às vítimas? Será a verdade tão difícil?”
NINA DRAKE (São Paulo, SP)
2.
Manifestam-se contra o Programa Nacional dos Direitos Humanos a alta cúpula dos militares, a igreja, os ruralistas, daqui a pouco teremos a convocação da Marcha da Família com Deus e pela Liberdade. Esse pessoal é incansável.”
MARCOS ALEX A. DE MELO (Campo Grande, MS)
3.
“As principais violações dos direitos humanos são a morte violenta e a tortura. Por onde andavam os autores de tão inspirado plano de direitos humanos, que não conseguiram ver que no Brasil já se mataram aproximadamente 700 mil pessoas só neste governo (entre homicídios e acidentes no trânsito); e que só no Rio de Janeiro as polícias matam, por ano, três vezes mais que todas as mortes atribuídas às ações dos governos militares; que dezenas de milhares de pessoas são torturadas diariamente nos currais medievais em que se transformaram nossas prisões?
Sem respostas concretas a essas questões básicas, essa gigantesca carta ideológica de intenções já nasce desmoralizada, por pretender afetar o futuro sem olhar seu próprio passado, por olhar para os outros sem ver como maltratam suas próprias responsabilidades.”
JOSÉ VICENTE DA SILVA FILHO (São Paulo, SP)
4.
“Li, com atenção, os artigos de Kenarik Boujikian Felippe [“Justiça não é revanchismo”, “Tendências/ Debates”, ontem], favorável à revisão da Lei da Anistia, e de Guilherme Guimarães Feliciano [“Violar para resgatar?’], contrário à revisão.
A primeira fundamentou o seu artigo basicamente em um abaixo-assinado de notáveis; o segundo, na Constituição da República e no Código Penal. Fica a pergunta: busca-se o direito na opinião de pessoas ou nas leis? Com todo o respeito, a prevalecer o ponto de vista da primeira, não precisamos mais de leis, basta ouvir as ruas.”
NÚBIO DE OLIVEIRA PARREIRAS , juiz (Lavras/MG)
4.
“Leio que, além dos militares, agora as chamadas “forças religiosas” também desancam o 3º Programa Nacional dos Direitos Humanos (“Igreja também critica plano de direitos humanos de Lula”, Brasil, ontem). Isso aliás, já era esperado, conhecendo-se o caráter corporativista tanto da Igreja Católica como dos militares. Mas ambos vão ter que se enquadrar na democracia, queiram ou não.
As Forças Armadas terão que se curvar à vontade civil, pois não formam um governo à parte.”
GELSON MANZONI DE OLIVEIRA (Santa Maria, RS)
5.
“Merece apoio o 3º Programa Nacional dos Direitos Humanos, expressão clara do amadurecimento democrático do país.
A sociedade brasileira vem demonstrando cada vez mais a sua adesão a propostas e ações que visam respeitar e garantir os direitos de todos e de todas. Somente setores retrógrados se unem mais uma vez contra essas iniciativas: os militares e a Igreja Católica.
As mulheres brasileiras, inclusive católicas, não se submetem mais a ditames doutrinários que as impedem de realizar as suas vidas de forma digna e feliz. E aqueles que seguem outros credos religiosos ou são ateus exigem o respeito a um Estado constitucionalmente laico.”
REGINA SOARES JURKEWICZ , doutora em sociologia da religião (São Paulo, SP)
6.ELIANE CANTANHÊDE, articulista da Folha de S.Paulo em 10.01.2010
Quase unanimidade
BRASÍLIA – Raramente se veem uma causa tão apoiada quanto a dos direitos humanos e um plano tão desastrado quanto o de direitos humanos. O alvo eram os chefes e torturadores da ditadura militar, mas a metralhadora giratória atingiu, como mostrou o repórter José Casado, setores tão diversos quanto igreja, imprensa, TV, rádios, ruralistas, planos de saúde e o próprio Congresso Nacional.
Tão acostumados com planos quilométricos que não chegam a lugar nenhum, tão cansados de um ano de trabalho, às vésperas do Natal, tão viciados em privilegiar o detalhe e desprezar o conjunto, o fato é que cometemos todos -a imprensa, primeiro; a opinião pública, depois- o tremendo erro de não ler, não levar a sério, não medir as consequências. Como o próprio Lula.
Tudo o que restou do lançamento do plano foi a foto da ministra Dilma Rousseff sem a peruca.
Enquanto isso, os bastidores do governo ferviam. Jobim não assinou o plano, os comandantes militares ameaçaram pedir demissão, Tarso Genro pairou sobre a confusão, Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) sumiu. O governo se dividiu e, agora, com a leitura detalhada e as críticas à mostra, é a sociedade que está dividida. Há que melhorar e rever o que nem foi visto.
O plano é o principal e mais complexo problema que Lula enfrenta neste início de 2010, ano em que ele não deve bater de frente com velhos aliados da esquerda, nem virar as costas ao resto para, pretensamente, ficar ao lado deles.
Lula precisa de um pretexto para fazer meia volta, volver, cumprir a palavra com Jobim (Defesa) e satisfazer por tabela a tropa de descontentes, militares ou civis. E o pretexto é um viés stalinista e excessivamente amplo do plano.
Aliás, bem mais urgente e concreto do que discutir direitos humanos acadêmica e ideologicamente é agir: acabar já com a tortura de pobre em cadeias e penitenciárias.
Sem isso, o resto é tertúlia.
7. JANIO DE FREITAS, colunista da Folha de S.Paulo em 10.01.2010
O governo contra o governo
O NINHO DE COBRAS a que o governo deu o nome de Programa Nacional de Direitos Humanos, decretado por Lula em meio às festas de fim de ano, é um dos atos de governo mais tresloucados do pós-ditadura, senão o mais. Não pela variedade de temas e alvos que liga aos direitos humanos, mas por reunir tamanha variedade em um só decreto, que assim funciona como um disparador de ataques simultâneos, com o próprio governo como alvo, a partir de tudo o que é força e poder entre (ou sobre?) nós.
É suficiente notar dois dos muitos propósitos que o decreto junta à pretendida comissão da verdade -causa de imediata e extremada reação dos comandos militares-, para captar o desatino masoquista do governo: modificação das regras de renovação dos canais de TV, para dissolver as atuais concentrações e impedir novas, e criação de imposto específico sobre a grande riqueza pessoal.
Excetuadas as tolices como a classificação permanente dos meios de comunicação, segundo sua adesão aos direitos humanos, grande parte do decreto é uma antecipação do futuro, menos ou mais remoto. Hoje impraticável, considerada a força dos poderes que se confrontariam, a desconcentração de meios de comunicação é uma quase certeza aqui reservada ao futuro. As legislações dos Estados Unidos e de vários países europeus preveniram-se logo aos primeiros sinais do poder identificado nas concentrações. O endeusamento do “mercado”, ou vale tudo, nos anos 90 atenuou as restrições nos EUA, mas as limitações já estão outra vez em discussão. Na América Latina, território prioritário da concentração, o assunto está esquentando em diversas capitais.
Um exemplo interessante da importância desse tema foi deixado por Roberto Marinho. As divergências políticas levaram ao erro de obscurecer as qualidades de Marinho como condutor da empresa jornalística herdada dos pais. Alcançar o domínio do jornalismo impresso no Rio foi por muito tempo, claro, um dos seus sonhos, e agiu para isso com todas armas do capitalismo. Mas quando o “Jornal do Brasil”, conduzido por qualidades inversas, deu sinais de derrocada, Roberto Marinho preocupou-se talvez mais do que os donos do “JB”: não queria ficar sozinho na “grande imprensa” carioca, porque via nesse predomínio um estímulo a ideias antimonopolísticas nos meios de comunicação. Pelo mesmo motivo, ajudou Adolpho Bloch a fazer a TV Manchete, até que a nova TV entrou na seara das novelas e tornou-se concorrente direta.
Aumentar os serviços e diminuir o custo abusivo dos planos de saúde, restrições verdadeiras à influência do dinheiro nas eleições, a manifestação pública em questões polêmicas e de interesse da população são, entre outros, casos em que o teor do decreto antecipa o que virá, por certo, menos ou mais tarde. Mas, com a associação de intenções problemáticas feita pelo governo, o decreto não ultrapassa as barreiras conhecidas. E, se ficar por aí só para poupar Lula de recuos vexaminosos, será um fantasma inócuo, porque não se desdobrará nas leis que fariam do plano uma realidade.
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