O título pode soar banal ou manchete para atrair a leitura. Mas este assunto é importantísssimo para a humanidade e áspero (na compreensão e no debate) ao mesmo tempo. Por questões profissionais me dedico a ele há muito tempo. E mesmo não sendo um especialista, também não sou um completo neófito. Todavia, a cada dia fico mais preocupado com a severidade dos fenômenos, bem como com as leituras divergentes e de boas fontes.
De um lado uma ampla maioria de ambientalistas, políticos, Ongs e cientistas mostrando e provando que estamos perto do fim. No outro oposto (mas em número reduzidíssimo), também há ambientalistas, políticos, Ongs e cientistas mostrando e provando que o aquecimento global não é exatamente causado pelas ações predadoras do homem (e nisso todos concordam que as atitudes precisam ser mudadas). Para este grupo, trata-se de um ciclo natural do próprio sistema onde estamos metidos (ou inseridos).
Por isso esse debate é cada vez mais importante e necessário. É preciso retirar as paixões, a política, o extremismo e até mesmo o terrorismo (ou grosserias) da propaganda, da veia emocional e ideológica. Ao contrário, a dialética científica precisa ser conhecida por todos nós leigos e na forma mais simples para que possamos entender e participar dela por um mundo melhor, mais limpo, mais saudável, mais natural, mais conservado e principalmente, mais sustentável e viável hoje e sempre.
E como exemplo, trago hoje duas colagens de dois cientistas brasileiros, renomados, respeitados e que aparentemente divergem (e bem) no tema. Agrego ainda outras opiniões dos e sobre os dois e dos artigos que escreveram para a seção “Tendências e Debates”, do jornal Folha de S. Paulo. O primeiro deles é de Rogério Cezar de Cerqueira Leite (Ciência, opinião e aquecimento global) e foi publicado no dia 23.09.09. O segundo, comentando o que Cerqueira Leite escreveu e opinou, foi de José Carlos Almeida de Azevedo (Nem ele acredita) e que se publicou no dia 10.10.09.
Muito interessante compará-los no que divergem e até no que aceitam e convergem.
1.
Ciência, opinião e aquecimento global
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
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O governo negligencia a ampliação da produção do etanol, com tecnologia já desenvolvida, e prioriza a promessa incerta do pré-sal
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“DO PONTO de vista da Shell, o debate está encerrado.Quando 98% dos cientistas concordam, quem é a Shell para dizer “vamos debater a ciência’?” Assim falou John Hofmeister em 2006, presidente dessa companhia. Referia-se ao debate sobre as consequências para o aquecimento global e as mudanças climáticas devidas à queima de combustíveis fósseis. Pois bem, a capitulação da Shell, assim como a da Exxon, em 2007, em relação às evidências dos fenômenos que lhes eram enormemente adversos financeira e politicamente deveria ter, de fato, selado a polêmica.
Todavia, se 98% dos cientistas concordam, poderíamos talvez concluir que 2% discordam da relação causal entre emissão de gases de efeito estufa, aquecimento global e consequentes mudanças climáticas. Entretanto, estamos aqui em um campo de opiniões, e não no da ciência. No que diz respeito à ciência, ela diz peremptoriamente que a relação causal está comprovada. Vejamos o porquê da diferença entre opiniões de cientistas e uma afirmação científica.
Um novo conhecimento é incorporado à ciência por meio de um processo que se inicia com a sua divulgação em um sistema de comunicação em que outros pesquisadores analisam e aprovam ou não a pertinência dos resultados e conclusões.
Ora, enquanto centenas de artigos profissionais que passam pelo processo de avaliação aqui descrito confirmam a existência da relação causal entre emissões de gases de efeito estufa e aquecimento global, não há um único que a negue e que tenha sido divulgado pelo sistema de revistas ditas indexadas, com avaliação por pares.
É verdade que houve, de permeio com maliciosa propaganda, suborno e corrupção, algumas declarações de respeitados cientistas contrários à posição da quase totalidade. São, porém, opiniões pessoais que não derivam de atividades de pesquisas desses mesmos cientistas. Valem como opinião, não como ciência. Consequentemente, não podem ser consideradas como um percentual da ciência. Os céticos citam manifestos assinados por cientistas e instituições que desacreditam a relação emissões-clima. Vejamos o que significam os principais deles:
1) O “Consenso de Copenhague”. Um conjunto de oito economistas de primeira linha, incluindo três detentores de Prêmio Nobel, reunidos em 2004 na capital da Dinamarca, elencou os principais problemas que afligem a humanidade, avaliando o aquecimento global como de muito baixa prioridade. Levando-se em conta a baixa frequência de acertos em previsões feitas por economistas, podemos considerar esse manifesto uma contundente comprovação da relação entre uso de combustíveis fósseis e aquecimento global.
2) Os vários manifestos de cientistas, os “400 do relatório do Senado americano”, a “Declaração de Manhattan”, a “Declaração de Leipzig” etc. são agregados de nomes pouco conhecidos, com poucos autênticos cientistas, ou documentos que nada, em verdade, afirmam (leia-se Craven, G., Julho 2009, Penguin).
A percepção da ameaça ao conforto futuro, se não à própria sobrevivência do Homo sapiens, se mostra tão aterradora e inexorável que preferimos, sempre que uma oportunidade se nos oferece, esquecê-la como se nunca tivesse existido. Seja exemplo o caso do Brasil, país que se arvorara em paradigma de sustentabilidade, com metade da energia que consome sendo renovável.
Pois não é que, no interesse exclusivo da Petrobras, os “soi-disants” planejadores do setor elétrico propõem a aquisição de mais que 50 termoelétricas a óleo combustível, o mais poluente dos derivados de petróleo e grande emissor de gases de efeito estufa, apesar do imenso potencial hidroelétrico remanescente no país?
E só porque, rejeitado universalmente, esse combustível constitui uma dificuldade de comercialização para a Petrobras, cujas ações preferenciais, em sua maioria, estão em mãos estrangeiras, mas que, não obstante, se revela gigantesca e perversa arma de atuação política.
Pelo mesmo motivo, negligencia o governo a ampliação da produção do etanol, cuja tecnologia já está desenvolvida, priorizando a promessa incerta do pré-sal. E isso apesar do potencial de produção maior, de investimentos menores para a mesma produção de energia e da sustentabilidade desse biocombustível.
A única explicação para essa escolha, esdrúxula para dizer o menos, é a concentração de poder político que a exploração de petróleo proporciona em um monopólio de fato na mão do Estado.
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ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE , 78, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro do Conselho Editorial da Folha.
2.
Nem ele acredita
JOSÉ CARLOS DE AZEVEDO
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No final deste ano, reunir-se-ão em Copenhague os representantes de países filiados ao IPCC, um festival pago pelo contribuinte
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ROGÉRIO CEZAR de Cerqueira Leite, estimado amigo desde os tempos do curso ginasial no Liceu Pasteur, em SP, sempre foi conhecido por cultivar a isenção e a seriedade, por preocupar-se com os interesses nacionais e por ser competente do ponto de vista científico.
Apesar disso, cabem as breves considerações que faço ao seu artigo “Ciência, opinião e aquecimento global” (“Tendências/Debates”, 23/9), na parte que se refere à correlação que diz existir, mas que não existe, entre mudanças no clima da Terra e o consumo de combustíveis fósseis. Quanto aos demais assuntos de que tratou, cabem elogios.
As considerações decorrem da suposição -não verdadeira- de que os atuais conhecimentos sobre o clima constituem uma ciência capaz de prever o futuro, explicar o passado e ter os outros atributos próprios do conhecimento científico. Isso é agravado pela laúza estridente dos que fazem previsões em computadores com “modelos climáticos”, que são falhos e valem tanto quanto as feitas com baralhos do tarô.
As teorias climáticas conhecidas são incompletas, não constituem ciência e é razoável admitir que os estudos em curso no Cern (Organização Europeia de Pesquisa Nuclear), sob a direção do competente físico J. Kirkby, levarão à esperada formulação científica.
O Cern, que é o maior laboratório de física existente, cujo acelerador de partículas tem 27 km de extensão, fez consórcio com as melhores instituições científicas, cerca de 30, para detalhar as descobertas feitas no Instituto de Pesquisas Espaciais da Dinamarca sobre a forte correlação existente entre radiação cósmica, passagem do Sistema Solar pela galáxia local, manchas solares, campos magnéticos do Sol, ionização, múons, nuvens baixas e clima.
Cerqueira Leite fala no número de cientistas que discordam do aquecimento “antropogênico” e diz serem “agregados de nomes pouco conhecidos”, o que não é correto. O “petition project” foi assinado por 31.478 cientistas norte-americanos identificados um a um e foi apresentado pelo antigo presidente da National Academy of Sciences e chairman da American Physics Society, Frederick Seitz -que Cerqueira Leite conhece, pois deixou trabalhos relevantes na física do estado sólido, o que é do seu conhecimento.
Nem o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, na siga em inglês) acredita mais nessa versão do CO2, pois afirma (IPCC 2007-I, pág. 10) em seu último relatório que “a maior parte do acréscimo da temperatura média global observada desde meados do século 20 é muito provavelmente devida ao aumento observado da concentração de gases do efeito estufa”.
Em outras palavras, nem o IPCC acredita no que dizem que ele disse, mas ele diz que não disse. Mudanças no clima sempre houve e haverá. Platão afirmou no “Timeu” que o aquecimento e o resfriamento ocorrem ciclicamente, e Teofrastus disse coisa semelhante. Nos últimos 20 mil anos, a Terra aqueceu e esfriou nove vezes, comprovadamente.
A concentração atual de CO2 (380 ppm) é uma das menores de todos os tempos, pois chegou a 1.500 ppm no Carbonífero, a 1.800 ppm no Jurássico, a 7.000 ppm no Cambriano. Na época de Platão, ninguém dirigia SUVs.
Em junho de 2009, o Heartland Institute, instituição não governamental, publicou o importante rlatório “Climate Change Reconsidered, the Report of the Nongovernmental Panel on Climate Change”. Ao longo de 897 páginas, o relatório analisa o que diz o IPCC, que é uma entidade governamental, e, em nove áreas relacionadas ao clima, excluída a econômica, discute, do ponto de vista científico, as questões climáticas.
É escrito em linguagem comedida, respeitosa e baseado em muitas centenas de referências científicas, no que também esse relatório difere dos textos econazistas de áulicos do IPCC. Até onde pude ler, não sobrou nada do IPCC, órgão governamental cujos integrantes, em parte ou no todo, são pagos pelos seus governos.
No final deste ano, provavelmente sob inverno inclemente, reunir-se-ão em Copenhague os representantes de países filiados ao IPCC para definir um novo protocolo, que substituirá o de Kyoto, que não deu em nada.
Querem salvar a vida no planeta Terra, mas deverá ser mais um festival pago pelo contribuinte. Seus integrantes não deixarão de fazer ponto no Tivoli, o famoso parque de diversões de Copenhague.
Lá estarão ONGs, diplomatas, políticos e representantes de governos filiados ao IPCC, todos preocupados com a vida na Terra e a anunciada e temida extinção do Homo sapiens, caso não controlem o tal aquecimento, apesar de o planeta Terra estar esfriando há três anos e ter permanecido constante a sua temperatura nos dez anos anteriores.
O IPCC faria melhor se cuidasse do Homo stultus, pois é este que ameaça a vida na Terra.
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JOSÉ CARLOS DE ALMEIDA AZEVEDO , 77, é doutor em física pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA). Foi reitor da UnB (Universidade de Brasília). (12.10.09)
3. Cartas sobre os artigos e publicadas na mesma Folha em diversos dias no Painel do Leitor
“O senhor José Carlos de Azevedo (“Nem ele acredita”, “Tendências/Debates”, ontem), apesar de ser um doutor formado por uma respeitada instituição e já ter sido reitor da UnB, demonstra desrespeito a outras áreas do conhecimento (que não são sua especialidade, diga-se de passagem).Ele desqualifica as previsões dos modelos climáticos e cita em seu lugar escritos de Platão (!). As altas concentrações de CO2 do passado, citadas por ele como muito mais altas que a atual, são referentes a um tempo em que o clima na Terra era outro também. A ciência e o planeta lucrariam mais se as paixões fossem deixadas de lado nessa discussão.”
MARCELO ZERI , pesquisador associado no Energy Biosciences Institute da Universidade de Illinois (Urbana, Illinois, EUA)
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“Parabéns ao ex-reitor da Universidade de Brasília pelo seu artigo de ontem, no qual levanta dúvidas legítimas em relação às conclusões do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) sobre a relação entre clima e emissão de gases ditos de “efeito estufa” e sobre a histeria midiática em relação a um problema que provavelmente não existe. Existe sim grande quantidade de trabalhos científicos muito sérios e consistentes, publicados em revistas especializadas, que contradizem frontalmente as teses do IPCC. Mas esses trabalhos não são nem lembrados pelos governos, ONGs e meios de comunicação, obcecados que estão pelas conclusões do IPCC.Como mostrou o doutor Azevedo, nem o IPCC acredita no que dizem que ele disse.” JAIME FREJLICH , laboratório de óptica da Unicamp (Campinas, SP)
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“O professor José Carlos de Azevedo, meu amigo e baluarte de causas conservadoras, é classificado como um cético quanto à emissão de gases de efeito estufa (GEE) como causa do aquecimento global.
No artigo intitulado “Nem ele acredita” (“Tendências/Debates”, ontem), ele critica meu texto de 23/9, também publicado na Folha. Bertrand Russel, em seu “Skeptical Essays”, defende o que chama de “ceticismo racional” e que obedeceria a três regras simples, sendo a primeira assim expressa: “Quando especialistas concordam, a opinião oposta não pode ser aceita como correta”. Nessas condições, o professor Azevedo não pode ser considerado um cético, mas, antes, um “crente”.
Sempre que deparo com a afirmação dogmática de um crente na dissociação entre aquecimento global e emissões de GEE, me lembro de uma anedota. João diz a José: “Tua mulher anda te traindo com teu vizinho”. José não acredita, mas aceita vigiar a esposa. Na porta de um motel, os dois amigos veem chegar a esposa e, logo depois, o vizinho. “Coincidência”, diz José. Duas horas depois, saem juntos, de mãos dadas, a esposa e o vizinho. “Ora, nada prova que houve penetração”, diz José, cheio de fé na fidelidade conjugal.
Pois bem, o professor Azevedo, líder da seita denominada “Com Jesus no Paraíso do Petróleo e do Carvão”, nunca será convencido de que a emissão desenfreada de GEE irá comprometer o “paraíso” de seus netos. É uma questão de fé. E, portanto, temos que respeitá-la.”
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE , professor emérito da Unicamp (Campinas, SP)
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